Retrospectiva do fotógrafo Walter Firmo está em exposição no MAM Bahia

 


FOTO: ANDREA FIAMENGHI /DIVULGAÇÃO

Da Redação

A exposição ‘Walter Firmo: no verbo do silêncio a síntese do grito é uma das atrações do Museu de Arte Moderna (MAM Bahia).  A mostra, que estreou no dia 5 de dezembro, fica aberta até o final de março de 2024.

Com 86 anos de idade, dezenas de exposições/livros e 68 anos de carreira, o carioca Walter Firmo é considerado um dos fotógrafos mais importantes do país, com fotos ícones da memória e da cultura brasileiras. Dentre os seus prêmios, estão o Prêmio Esso de Reportagem (1964), sete prêmios no Concurso Internacional de Fotografia da Nikon (entre 1973 a 1982), o Prêmio Golfinho de Ouro (1985), o Bolsa de Artes do Banco Icatu (1998) e a Ordem do Mérito Cultural (2004).

A mostra é uma iniciativa do Instituto Moreira Salles (IMS) com apoio do Governo do Estado da Bahia, através da Secretaria de Cultura (SecultBA), Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural (IPAC) e MAM Bahia. A visitação é gratuita de terça-feira a domingo, das 10h às 18h. A

retrospectiva tem 200 obras do artista, consagrado por sua sequência de projetos que registram e celebram o povo e a cultura negra do Brasil. A seleção traz desde imagens do início de sua carreira até registros recentes. No conjunto, há fotos de manifestações culturais e religiosas, retratos icônicos de artistas como Pixinguinha, Dona Ivone Lara e Clementina de Jesus, entre outros destaques.

A curadoria da exposição é de Sergio Burgi, coordenador de Fotografia do IMS, e da curadora adjunta Janaína Damaceno Gomes, professora da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) e coordenadora do Grupo de Pesquisas Afrovisualidades: Estéticas e Políticas da Imagem Negra. A retrospectiva também conta com assistência de curadoria da conservadora-restauradora Alessandra Coutinho Campos e pesquisa biográfica e documental de Andrea Wanderley, integrantes da Coordenadoria de Fotografia do IMS.

Nas fotografias, prevalece uma aura de afetividade e valorização da negritude, como afirma o próprio Walter: “Acabei colocando os negros numa atitude de referência no meu trabalho, fotografando os músicos, os operários, as festas folclóricas, enfim, toda a gente. A vertigem é em cima deles. De colocá-los como honrados, totens, como homens que trabalham, que existem. Eles ajudaram a construir esse país para chegar aonde ele chegou”, explica Firmo.

Sociedade racista

A curadora adjunta Janaína Damaceno Gomes também reflete sobre o tema: “Se numa sociedade racista, a norma é o ódio e o auto-ódio, como nos mostram os trabalhos de Bell Hooks, Frantz Fanon e Virgínia Bicudo, amar a negritude compreende um percurso necessário de cura. Não é à toa que Firmo define a cor em seu trabalho em termos de amor pelo povo e pela cultura negra, mas é necessário entender que o direito a olhar não se restringe à ideia de autorrepresentação”, finaliza Janaína.

A retrospectiva evidencia como, no decorrer de sua carreira, Firmo passou a se distanciar do fotojornalismo documental e direto, tendo como base a ideia da fotografia como encantamento, encenação e teatralidade, em diálogo com a pintura e o cinema. Sobre seu processo criativo, o artista comenta: “A fotografia, para mim, reside naqueles instantes mágicos em que eu posso interpretar livremente o imponderável, o mágico, o encantamento. Nos quais o deslumbre possa se fazer através de luzes, backgrounds, infindáveis sutilezas, administrando o teatro e o cinema nesse jogo de sedução, verdadeira tradução simultânea construída num piscar de olhos em que o intelecto e o coração se juntam, materializando atmosferas”, conclui o artista.

Por ocasião da mostra, o IMS lançou em São Paulo o catálogo ‘Walter Firmo – No verbo do silêncio a síntese do grito’ que já está concorrendo ao renomado Prêmio Jabuti. A publicação traz as obras do autor presentes na exposição, além de textos de autoria do próprio Firmo, de João Fernandes, diretor artístico do IMS, e dos curadores Sergio Burgi e Janaina Damaceno Gomes. O livro também traz uma entrevista do fotógrafo em conversa com os curadores e com o jornalista Nabor Jr., editor da revista O Melenick, além de uma cronologia do fotógrafo assinada por Andrea Wanderley.

Biografia

Nascido em 1937, no bairro do Irajá, no Rio de Janeiro, Walter Firmo conta que desde garoto sonhava em fotografar. Ingressou no fotojornalismo em 1955, como aprendiz, no jornal Última Hora, e não parou mais. Em 1955, então com 18 anos, passou a integrar a equipe do jornal Última Hora, após estudar na Associação Brasileira de Arte Fotográfica (Abaf), no Rio. Mais tarde, trabalharia no Jornal do Brasil e, em seguida, na revista Realidade, como um dos primeiros fotógrafos da revista.

Walter Firmo trabalhou em diversos jornais e revistas e construiu uma carreira longeva, reconhecida por prêmios. Um deles foi o Esso de Reportagem, em 1963, conquistado por ‘Cem dias na Amazônia de ninguém’, matéria publicada no Jornal do Brasil com fotos e texto seus. Chamado de ‘mestre da cor’, Firmo é autor de retratos memoráveis de ícones da música brasileira como Pixinguinha, Dona Ivone Lara, Cartola.

Outra vertente bastante conhecida de seu trabalho são as imagens de festas populares registradas por todo o Brasil, do carnaval do Rio de Janeiro ao bumba meu boi no Maranhão. Desde 2018 o Instituto Moreira Salles abriga, em regime de comodato, aproximadamente 145 mil fotos feitas por Firmo ao longo de várias décadas. O material estabelece um diálogo direto com outros grandes nomes do acervo do IMS, como José Medeiros, com quem Firmo trabalhou, e Marcel Gautherot.

Criado no subúrbio carioca, filho único de paraenses – seu pai, de família negra e ribeirinha do baixo Amazonas; sua mãe, de família branca portuguesa, nascida em Belém –, Firmo começou a fotografar cedo, após ganhar uma câmera de seu pai. Em 1967, já trabalhando na revista Manchete, foi correspondente, durante cerca de seis meses, da Editora Bloch em Nova York. Neste período no exterior, o artista teve contato com o movimento Black is Beautiful e as discussões em torno dos direitos civis, que marcariam todo seu trabalho posterior. De volta ao Brasil, trabalhou em outros veículos da imprensa e começou a fotografar para a indústria fonográfica. Iniciou ainda sua pesquisa sobre as festas populares, sagradas e profanas, em todo o território brasileiro, em direção a uma produção cada vez mais autoral.

Essa aproximação com a teatralização e a pintura fica evidente no ensaio realizado em 1985 com os pais (José Baptista e Maria de Lourdes) e os filhos (Eduardo e Aloísio Firmo) do fotógrafo, exibidos na exposição. Nas imagens, José aparece vestindo seu traje de fuzileiro naval, função que desempenhou ao longo da vida, ao lado de Maria de Lourdes, que usa um vestido longo, florido e elegante. O ensaio faz alusão às pinturas Os noivos (1937) e Família do fuzileiro naval (1935), do artista Alberto da Veiga Guignard (1896-1962). A partir da década de 1970, Firmo fica muito conhecido por suas fotos que ilustram inúmeras capas de discos, com nomes como Dona Ivone Lara, Cartola, Clementina de Jesus, Paulinho da Viola, Gilberto Gil, Martinho da Vila, Maria Bethânia, Caetano Veloso, Milton Nascimento, Djavan e Chico Buarque.

O curador Sergio Burgi comenta a poética construída pelo artista: “Walter Firmo incorporou desde cedo em sua prática fotográfica a noção da síntese narrativa de imagem única, elaborada através de imagens construídas, dirigidas e, muitas vezes, até encenadas. Linguagem própria que, tendo como substrato sua consciência de origem – social, cultural e racial –, desenvolve-se amalgamada à percepção da necessidade de se confrontar e se questionar os cânones e limites da fotografia documental e do fotojornalismo. Num sentido mais amplo, questionar a própria fotografia como verossimilhança ou mera mimese do real”.

Fonte: GODA BAHIA

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