Em casa com o agressor: Violência doméstica cresce na pandemia e vizinhos podem ajudar

  

“Cadê meu celular? Eu vou ligar prum oito zero”, ameaça Elza Soares na música “Maria da Vila Matilde”. A mulher, no caso da
canção, conseguiu procurar ajuda após ser vítima de violência doméstica, no entanto, esta não é a realidade de boa parte das mulheres agredidas dentro de casa. Com a pandemia do novo coronavírus, então, a situação se agravou ainda mais.

Dados da Secretaria da Segurança Pública da Bahia (SSP-BA) mostram que entre os meses de março e abril deste ano houve uma queda no número de ocorrências deste tipo de crime registradas nas delegacias. Os dados foram comparados com o mesmo período do ano passado. Contudo, a quantidade de denúncias feitas por meio da Central de Atendimento 180, do Ministério da Cidadania e Mulher, da Família de Dos Direitos Humanos, cresceu.

Frente a isso, a campanha “Lave as mãos contra o coronavírus, contra a violência doméstica, não” chega para sensibilizar vizinhança, amigos e parentes a denunciarem casos de agressão. De acordo com a secretária de Políticas para as Mulheres do Estado da Bahia, Julieta Palmeira, a campanha chega em um momento em que se é notada uma subnotificação deste tipo de crime, uma vez que as vítimas têm dificuldade em chegar até os pontos de acolhimento, principalmente no momento em que o mundo tenta controlar os avanços da Covid-19.
“Não é o fato do isolamento social estar gerando a violência, é diferente. É que com o isolamento social, nos lares onde a violência doméstica está presente, essa violência é mais sentida porque a mulher passa mais tempo com o homem agressor dentro de casa, ele passa mais tempo monitorando as saídas dela. Se vai no supermercado, vai acompanhada. Então, gera toda essa situação e a sociedade tem que estar atenta. Não é um problema só de punir, porque os registros policiais não estão acontecendo como vinham acontecendo”, explica em entrevista ao Varela Notícias.
Casos recentes
Luciene Oliveira da Silva, de 39 anos, Ana Claudia França de Jesus, 24, Sáttia Lorena Patrocínio Aleixo, 27, e Rafaella de Carvalho, 18. O que essas mulheres têm em comum? Em julho deste ano, todas estamparam as capas de jornais após serem vítimas de violência doméstica.
No dia 12, Rafaella utilizou uma rede social para denunciar o pai, o presidente da Câmara de Vereadores de Campo Formoso, José Alberto de Carvalho (PSD), o Zé Lambão, de agressão. Segundo ela, o suspeito teria se irritado após ela chorar depois de ouvi-lo dizer que ela não iria conseguir terminar a faculdade. Na publicação, a jovem mostrou as marcas da agressão.
A médica Sáttia Aleixo caiu do quinto andar de um prédio no bairro de Jardim Armação, em Salvador, após uma briga com o companheiro, no último dia 20. Os dois começaram a se relacionar há cerca de um ano e moravam juntos há seis meses. Vizinhos do casal relatam brigas constantes entre eles. A denúncia de agressão, contudo, é negada pelo suspeito. Sáttia segue internada em estado grave no Hospital Geral do Estado (HGE).
Em Arembepe, no município de Camaçari, Luciene o sobrinho dela, Leonardo Machado Santana, 11, foram encontrados mortos com sinais de facadas, em 21 de julho. O principal suspeito do crime é o ex-companheiro da mulher. De acordo com a polícia, ele teria confessado os crimes por meio de uma ligação telefônica. A agressão ocorreu após uma discussão do casal em uma festa.
No dia seguinte, 22 de julho, outra mulher foi esfaqueada. Desta vez o crime ocorreu em Salvador, no bairro de Periperi. Em depoimento, a vítima contou que foi golpeada pelo marido logo após ela acordar. A vítima foi socorrida para o Hospital do Subúrbio e sobreviveu ao ataque.
Como ajudar?
Criada pelo Governo do Estado, a campanha orienta toda a população a se manter vigilante contra a violência doméstica. Para Julieta Palmeira, neste momento de pandemia, as mulheres estão mais vulneráveis justamente por causa do isolamento social. Os casos agressão, contudo, não se limitam a apenas dentro de casa. Mulheres constantemente são vítimas de assédio e abuso sexual nas ruas e transporte público, por exemplo.
“Claro que nessas circunstâncias que nós estamos vivendo isso se torna mais especificado, há um grau de vulnerabilidade maior. Mas além de colocar ela [a vítima] alerta, colocamos toda rede de serviços de acolhimento às mulheres em situação de violência. Consideramos fundamental uma campanha de sensibilização por uma vizinhança solidária. Ou seja, que em briga de marido e mulher se mete a colher, sim”, continua.
Segundo a secretária, ao denunciar violência, o primeiro passo é ligar para o 180. Em casos mais graves, em que a mulher corre risco de morrer, a Polícia Militar pode ser acionada por meio do 190. Outra forma de procurar ajuda é a delegacia digital. Esta, contudo, não cuida de casos graves ou gravíssimos, porque é necessário um comparecimento à delegacia. Em todos os casos, a denúncia pode ser feita de forma anônima.
“Se você é caixa de supermercado, em farmácia, esses lugares de funcionamento essencial, tem que ficar atendo para denunciar, não custa nada se você observar algum sinal de violência ou se ela te procurar. É um proliferar de campanhas e todas elas ajudam. Você tem que estar alerta para denunciar, por isso que o melhor caminho é ligar. E a gente está querendo que toda vizinhança seja solidária, não só as mulheres, mas os homens também. Se você é colega de trabalho, está em trabalho remoto, é irmão, amigo, a gente também tem a ideia de combinar um código, caso a mulher não possa falar”, explica ao VN.
Outro meio que será implementado pela Secretaria de Política para as Mulheres (SPM) é o WhatsApp. Com previsão de início em agosto deste ano, a nova medida prevê que o aplicativo esteja linkado diretamente com o 180. Conforme Palmeira, um funcionário também estará disponível para atendimento.
É lei
No último dia 16 deste mês, um projeto de lei que obriga síndicos ou administradores de condomínios residenciais da Bahia a denunciarem indícios de violência doméstica foi aprovado por unanimidade na Assembleia Legislativa (ALBA). Agora a matéria segue para a sanção do governador Rui Costa (PT).
O PL 23.878/20, de autoria da deputada Ivana Bastos (PSD), se estende para casos de violência contra mulher, idosos, crianças e adolescentes nas unidades condominiais ou nas áreas comuns.
A norma determina que a denúncia deverá ser realizada por telefone, em caso de ocorrência em andamento, e por escrito, por via física ou digital, nas demais hipóteses, no prazo de até 24 horas após a ciência do fato, contendo informações que possam contribuir para a identificação da possível vítima e do possível agressor. 
Além disso, os condomínios deverão fixar, nas áreas de uso comum, cartazes, placas ou comunicados divulgando a lei. O texto destaca ainda que o descumprimento da lei poderá acarretar advertências e multas. A medida já é realidade nos estados da Paraíba, Paraná, Pernambuco, Rondônia e o Distrito Federal.
Fonte: VN


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