Cineasta anuncia cancelamento do Réveillon de Salvador e causa confusão na web; entenda


Publicação movimentou e gerou dúvidas nas redes sociais nesta segunda (23)
Foto: Divulgação

Foto: Divulgação
Henrique Brinco

henrique@varelanoticias.com.br

O cineasta Cláudio Marques causou confusão nas redes sociais nesta segunda (23), ao anunciar, em sua coluna do site Teatro Nu, o cancelamento dos festejos de Réveillon do Comércio, em Salvador. Na publicação, intitulada “Prefeito ACM Neto cancela shows do final de ano e anuncia R$ 6,5 milhões para a cultura de Salvador”, o curador do Espaço Itaú de Cinema – Glauber Rocha afirmou que o gestor municipal teria anunciado “a criação de uma política cultural com lançamento imediato de novos editais [de cultura] com o mesmo montante que seria gasto” na festa.
Em contato com o Varela Notícias, a assessoria de comunicação da Prefeitura desmentiu a informação e garantiu que a festa está garantida. Ainda no texto fictício, Marques ironiza afirmando que a “classe artística quase foi às lágrimas” com o “anúncio” e “parecia não acreditar” no que supostamente estava acontecendo. A ideia da mensagem seria mostrar o quão benéfico seria para a classe artística baiana se a verba gasta na festa popular fosse aplicada em eventos culturais na cidade.
No Facebook, várias personalidades da cena cultural baiana elogiaram a iniciativa do cineasta. O crítico musical Luciano Matos também se manifestou e questionou o uso de dinheiro público no evento. “Muita gente perguntando se o Réveillon em Salvador foi mesmo cancelado. Acho que é fruto do mau hábito de não ler as postagens. Só ler as chamadas e de também não entender as ironias do texto. [...] Mesmo sendo dinheiro da iniciativa privada, foi dinheiro captado pelo poder público, que no mínimo gastou esforços para viabilizar. O Réveillon de Netinho tá garantido”, publicou.
O evento

A festa que irá acontecer na Praça Cayru (Cidade Baixa) entre os dias 29 de dezembro e 1º de janeiro vai contar com 18 atrações. Na primeira noite, domingo (29), vão se apresentar a banda Filhos de Jorge, Ju Moraes, Araketu, Paralamas do Sucesso e Aviões do Forró. Na programação da segunda-feira (30), quem se apresenta é  Muzenza, Baiana System, Nando Reis, Claudia Leitte e Anitta. Na grande noite do Réveillon (31), irão subir ao palco Saulo, Gal Costa, Caetano Veloso, Gilberto Gil e Pablo, que vão fazer a festa até o amanhecer. E para encerrar, no dia 1º de janeiro os grupos afros Ilê Aiyê e Olodum participam do projeto Pôr do Som comandado pela cantora Daniela Mercury.

LEIA ABAIXO A ÍNTEGRA DO TEXTO PUBLICADO NO SITE TEATRO NU:
O Prefeito ACM Neto provou que não veio para brincadeiras e que a sua gestão entrará para a história de Salvador. Com uma postura ousada, digna dos grandes líderes, o “pequeno notável” cancelou os festejos de final de ano (quatro noites de shows e queima de fogos de artifício) e anunciou a criação de uma política cultural com lançamento imediato de novos editais com o mesmo montante que seria gasto no Réveillon: “Não podemos gastar R$ 6,5 milhões em quatro noites. É uma atitude irresponsável e eu sou o prefeito da cidade. Não posso permitir isso. Nós vamos investir na economia da cultura, dar condições mínimas para que mais de 1.000 produtores, diretores, atores, músicos, escritores e dançarinos possam viver daquilo que nos alimenta durante todo o ano e para sempre: Arte !”, disse um prefeito emocionado para uma platéia que lotava as dependências do Palácio Tomé de Souza, em Salvador.
A classe artística quase foi às lágrimas, parecia não acreditar no que estava acontecendo. No mesmo evento, foi anunciada a criação da “Bolsa de Projetos” a ser gerenciada por uma comissão permanente que vai avaliar a realização e resultados dos projetos contemplados nos editais municipais. A partir daí, serão criadas linhas independentes que visam estimular o surgimento de jovens talentos, além de dar garantia de continuidade aos artistas e projetos consolidados: “Estudamos os melhores sistemas de financiamento cultural no mundo e chegamos a uma proposta inovadora, que garante a continuidade da produção artística”, concluiu o prefeito.
Muitos dos presentes ficaram um tanto frustrados por não conseguirem enxergar o burgomestre durante a cerimônia, mas a imensa maioria se mostrava muito contente diante das novidades:  “Creio que estamos assistindo a uma revolução na vida cultural da cidade. Compreenderam, finalmente, que editais são instrumentos e não se constituem, por si só, como política”, afirmou o cineasta Cláudio Marques. “Eu já estava ficando maluco com essa quantidade de festas. Foram sete dias em homenagem ao Samba e agora, seriam mais quatro para celebrar a passagem do ano, que tradicionalmente, em qualquer lugar do mundo, é celebrada apenas em uma noite, a última do ano”, disse, por sua vez, o arquiteto Márcio Correia Campos.
Até mesmo os mais céticos bateram palmas para a iniciativa: “Eventos, shows, festas… isso é uma anti-política cultural, um atentado a cidade. Ou melhor, era. Felizmente, ACM Neto teve a grandeza e o bom senso e interrompeu esse processo”, comentou o dramaturgo Gil Vicente Tavares, crítico costumeiro da apatia e imbecilidade soteropolitanas. O poeta e agitador cultural, James Martins, foi um dos mais comedidos diante do anúncio “Precisamos esperar um pouco, ler o decreto na íntegra para ver se o teatro profissional foi finalmente contemplado. Precisamos saber qual a importância que a literatura vai ter nessa política”.
Os bastidores
Um funcionário da prefeitura, que preferiu o anonimato, contou para a reportagem que toda essa reviravolta começou há algumas semanas, na Fundação Gregório de Mattos. Foi lá que o presidente do órgão municipal responsável pela cultura, Fernando Guerreiro, em dia de forte depressão, levantou-se de súbito gritando para quem quisesse escutar “Ou levam a cultura a sério ou eu vou embora !”. Na noite anterior, Guerreiro havia se encontrado com o Secretário de Cultura do Estado da Bahia, Albino Rubim, que demonstrara também uma grande dose de tristeza frente à situação de contingenciamento de verbas, promovida pelo Governo do Estado. Albino confidenciou para o colega que se sentia humilhado, sem forças e que se arrependia por não ter largado o cargo anos antes, quando o Governador impôs a mudança do IRDEB da pasta de cultura para a de comunicação, contra a vontade dele e de todos da cultura. “Estamos emprestando o nosso nome, a nossa história e a nossa honra para dar credibilidade a essa gente, que, no fundo, não nos respeita”, teria dito Albino. “Meu Deus, que vergonha eu passei com aquela história de ‘Cultura em Campo’… que vergonha promover aquilo, como eu me arrependo…”, confidenciou ao colega.
De alguma forma, aquela conversa mexeu com os brios de Guerreiro, que fez valer o seu sobrenome e impôs condições radicais para a sua permanência no cargo. ACM Neto, ao que tudo indica, entendeu o recado e tomou a atitude que rompe com a lógica levada a cabo pelo seu avô, de promoção de grandes eventos aliada à concentração de verbas nas mãos de poucos gestores culturais, em detrimento de ampla maioria de artistas locais.
Caetano Veloso e Gilberto Gil, estrelas contratadas pela Prefeitura e que tiveram seus shows cancelados, não se mostraram chateados com a decisão: “O futuro está nos jovens!”, exclamou um sorridente e brilhante músico e ex-ministro da cultura, que se revelou contente por ver aquele dinheiro irrigando um setor que precisa de pouco para dar tanto. Já Caetano também parabenizou o prefeito pela iniciativa, mas pediu que da próxima vez ele seja avisado com um pouco mais de antecedência. “Eu tinha uns cinco ou seis convites… mas, tudo bem. Ele está fazendo o que é certo”. A produtora Flora Gil, responsável pela organização do evento, não quis tecer nenhum comentário sobre a mudança de planos da Prefeitura. A amigos, ela teria dito que quem perdia com isso era a população de Salvador, pois os cachês dos shows seriam pagos por patrocinadores privados. “A prefeitura não pode e nem deve competir com os produtores locais em busca de patrocínio. Não é essa a sua função. O dever do poder público não é o de promover festas, mas sim de criar políticas que auxiliem no desenvolvimento do que há de mais criativo e elaborado em nossa cidade”, declarou o professor da UFBA, Ordep Serra.
Não há como negar o impacto positivo dessa medida a curto, médio e longo prazos para Salvador. Se por um lado, a economia da cidade agradece, por envolver milhares de pessoas, direta e indiretamente, por outro cria-se um valor não comensurável, pois o nome de Salvador e de seus habitantes será propagado pelos quatro cantos do mundo, por muito tempo.

Comentários