Maragojipe: 'Doeu ver o cara que destruiu minha família sendo solto', diz Jefferson



Leia depoimento de pescador que perdeu esposa e filhas; vídeo traz homenagem
Uma dor sufocante, sentimento de
injustiça e muita fé em Deus. Assim foi o dia do pescador Jefersson Eduardo Brandão, 29 anos, que perdeu esposa e as duas filhas vítimas de envenenamento, em Maragojipe, no Recôncavo baiano. Nessa quarta-feira (7), ele acompanhou a soltura de Valci Boaventura Soares, um dos acusados, que estava preso desde o dia 11 de outubro. O inquérito foi concluído e não havia provas suficientes contra ele. A companheira de Valci, Elisângela Almeida de Oliveira, teve a prisão preventiva decretada.
"Dói, né? Doeu quando eu tive cara a cara com ele, vendo ele saindo (da prisão). Ver um cara que destruiu minha família sendo solto. Ele, na minha opinião, tem culpa junto com ela, porque ele sabia. Dói muito", desabafa.
 Ainda muito abalado com as perdas, que ocorreram entre os dias 30 de julho e 13 de agosto, ele acredita que Valci, amigo da família e frequentador de sua casa, é culpado. "Na minha opinião, ele tem, sim, participação nos crimes. Ele sabia, porque em todas as três mortes ele estava presente. Então, de mim, ninguém vai tirar isso, que ele é culpado também", continua.
Elisângela está presa na Delegacia de Maragojipe, onde permanecerá até passar por julgamento, que ainda não tem data prevista.
Jefersson conheceu Elisângela e Valci há pouco mais de um ano, por causa da igreja. Na época, ele foi na companhia de três amigos para Conceição de Feira, no Centro-Norte da Bahia, onde a mulher morava com marido e dois filhos, para um evento evangélico. O jantar ocorreu justamente na casa da acusada pelo crime.
               
Jefersson usa imagem de filhas e esposa em seu perfil do WhatsApp (Foto: Reprodução)
Ele se arrepende da aproximação, mas não perdeu a fé. Pelo contrário. É graças à sua crença que Jefersson consegue seguir a vida, agora sem a presença da esposa e das filhas. Hoje, sua rotina é basicamente essa: acorda, frequenta a igreja e volta para a casa dos pais - Raimunda e José, de 62 anos, com quem passou a morar.
Ele se mudaria com esposa e filhas para um espaço construído acima da casa dos pais em dezembro, mas adiou os planos. Ainda em obra, o local terminará de ser construído e, futuramente, ele espera ter coragem de ocupá-lo sozinho.
"Não sei o que é comer, não sei o que é dormir, não sei o que é ter alegria. O corpo se encontra, mas a alma foi junto com a família", resume o pescador.
A maior dor do viúvo, além das mortes, é ter confiado na principal suspeita do assassinato. "Eu apoiei essas pessoas que chegaram se dizendo crentes, de Conceição da Feira, dizendo que Deus mandou ela cuidar de mim", conta.
"Chegou de sapatinho de lã e acabou com minha família sorrindo. Sorrindo", completa.
Em entrevista ao CORREIO, Jefersson também relatou que Elisângela alegava amor de mãe, mas era apaixonada por ele. A suspeita nega.
Leia o relato de Jefersson ao CORREIO, na íntegra (áudio abaixo):

"Infelizmente, ele (Valci) ficou preso e a prisão temporária não achou crime contra ele. Não desmerecendo o trabalho do delegado, doutor Marcos (Veloso), mas, na minha opinião, ele tem sim, ele tem participação nos crimes. Ele sabia, porque em todas as três mortes, ele estava presente. Então, de mim, ninguém vai tirar isso, que ele é culpado também. Então dói, né? Doeu quando eu estive hoje cara a cara com ele, ele saindo, eu vendo um cara que destruiu minha família sendo solto. Não que o trabalho do delegado e sua equipe não foi valorizado. Foi sim, demais. Mas ele, na minha opinião, ele tem a culpa junto com ela. Ele sabia. Dói muito.

Hoje eu estou aqui acabado. Só não estou acabado de verdade porque eu tenho um Deus na minha vida, que me sustenta e está me sustentando. Eu louvo a esse Deus e nunca vou deixar de louvar, porque o meu alvo não é aqui, o meu alvo é o céu, o meu alvo é a vida eterna. Minha esposa estava nesse caminho, me colocou nesse caminho e eu tenho que seguir esse caminho. Juntos, a gente adorava o nome do Senhor. Então, hoje só me restou lembrança.
Estou nesse momento aqui falando com você. Nesse momento minha esposa estaria aqui, minhas filhas estariam aqui, correndo, Ruteh e Gleysse. Mas só me restou saudade. Não sei o que é dormir, não sei o que é comer, eu não sei o que é ter aquela alegria. O corpo se encontra, mas a alma foi junto com a família, porque eu apoiei essas pessoas que chegaram se dizendo crentes, de Conceição da Feira, dizendo que Deus tinha mandado ela (Elisângela) cuidar de mim. Chegou de sapatinho de lã e acabou com minha família sorrindo. Sorrindo.
Matou minha filha Gleysse e ninguém desconfiava dela, porque o que ela era para a gente, a gente nunca desconfiava. Até a vizinhança ela conquistou. Matou a minha filha Ruteh na panqueca. Eu comi a panqueca, Ruteh comeu. Matou minha esposa. Três semanas seguidas. Quer dizer...eu vivi oito anos com a minha família, para perder minha família dentro de 21 dias. E aí? É complicado, né? Complicadíssimo.
Ai de mim se não fosse esse Deus. Porque nem eu mesmo me reconheço. Hoje eu mesmo não me reconheço, porque eu perdi três pessoas e meu coração está em paz. Meu coração está descansado no Senhor. É muito difícil, velho. Muito difícil, muito difícil. Não sei nem o que fazer.
Ainda você perder uma família para as pessoas que você tinha confiança. Matando minha família e continuando presente. Matando minha família e estando perto da gente, de mim. Misericórdia.
Então, fazer o que, né? Seguir em frente, erguer a cabeça, adorar ao meu Senhor e acreditar que Ele vai escrever uma nova história em minha vida, para eu conseguir seguir, né? Prosseguir em direção ao alvo, porque muitas pessoas me julgaram, muitas pessoas me apontaram. O mundo hoje está assim. Mas eu tenho um Deus que sonda e que conhece meu coração.
E o que eu tenho para dizer é que minha família é minha família, independente de qualquer coisa. Essa dor jamais vai passar, esse momento. Nenhuma palavra vai me confortar. Você vê pessoas que tiraram sua família, que você deu confiança, e saindo pela porta da frente da delegacia. É complicado.
Enquanto ela, não. Ela estava na temporária e agora o juiz concedeu a preventiva. Ela vai ficar até o julgamento, para ser julgada. Mas enfim, eu estou aí para continuar clamando o nome do Senhor e prosseguir".
As mortes
Semanalmente, Elisângela visitava Nagé, distrito de Maragojipe, na companhia do marido e dos dois filhos. Era lá que ficava a casa onde Jefersson e Adriane moravam com as filhas. Em uma das estadias, veio a primeira morte na família. Na versão de Jefersson, ele e a esposa deram arroz com frango para Gleysse, no dia 30 de julho. A pequena estaria no sofá com Elisângela. É quando, nos minutos fora da visão, acreditam ter ocorrido o primeiro envenenamento. No Hospital de São Félix, morreu como diabética.

Na segunda-feira seguinte, dia 6 de agosto, Elisângela ainda estava em Nagé e preparou uma panqueca para o almoço da família, segundo Jefersson. Estavam em casa ele e Ruteh e os dois comeram o almoço preparado. Mais tarde, reunido com amigos da igreja, recebeu um recado da evangélica de que a menina estava passando mal. Na Unidade de Pronto Atendimento de Maragojipe, o médico Sávilo Santana levantou a hipótese de morte por envenenamento. As suspeitas só cresceram na semana seguinte.
No almoço do dia 13 de agosto, Adriane havia preparado uma moqueca de fígado. Estavam apenas ela e Jefersson dessa vez. De tão satisfeitos do almoço, ainda no início da noite não sentiam fome, nem para o chocolate quente que, insistentemente, era oferecido por Elisângela, enquanto esperavam a hora do culto, às 19h.
Tamanha insistência, Adriane resolveu tomar a bebida. Outras pessoas também ingeriram o chocolate, sem qualquer sinal de mal-estar. Às 19h30, no culto, Adriane já sentia o peso na barriga. Poucos minutos depois, tinha certeza do próprio fim, e morreu na terceira segunda-feira, nas mesmas circunstâncias das filhas.
O mês das mortes coincidia exatamente com a estadia de Elisângela na casa. Não havia choro ou ida aos velórios, apenas a devoção parecia a mesma.
                  
Elisângela é a principal suspeita de matar Adriane, Gleysse e Ruteh (Fotos: Reprodução)
Nos dias seguintes à morte de Adriane, Elisângela permaneceu na casa de Raimunda e José, pais de Jefersson. Dizia querer estar perto do filho do coração. Mas os casos começavam a despertar a atenção de todos. E a polícia começou a investigação. Ao retornar do primeiro depoimento, Elisângela virou para o marido, Valci, também em Nagé, e gritou: “Não falou nenhuma besteira não, né?! Olha para não ter falado nada de errado”, disse.
Fosse apenas aquela gritaria, nem teria sido motivo de desconfiança. Até que a gritaria se transformou num desespero aparente. A visitante retornou, então, para Nagé. 
Ajudado por alguns parentes já desconfiados, Jefersson concluiu ser Elisângela a culpada. Quando esteve na delegacia para prestar depoimento na fase final do inquérito, teve ainda mais certeza.
No dia 11 de outubro, Elisângela e o marido foram presos. Nessa quarta-feira (7), após conclusão do inquérito, ele foi solto por falta de provas e ela teve a prisão preventiva decretada. 
Veja a cronologia do caso
  • Antes de 30 de julho - O cachorro da família foi a primeira vítima do veneno. Ele morreu dias antes da primeira vítima.
  • 30 de julho - Gleysse Santos da Conceição, 5 anos, filha mais velha do casal, morre após passar mal. Na época, a família acreditou que ela tinha sido vítima de uma complicação do diabetes.
  • 6 de agosto - Na segunda-feira seguinte, a irmã dela, Ruteh Santos da Conceição, 2, também passa mal e é levada às pressas para a UPA de Maragojipe, onde morre.
  • 11 de agosto - Adriane desabafa nas redes sociais: “Amores? Eu lutarei para chegar no Céu, para abraçar vocês”. 
  • 13 de agosto - Também numa segunda-feira, Adriane passa mal num culto e é levada ao hospital, onde morre.
  • 17 de agosto - O delegado Marcos Veloso pede a exumação do corpo de Gleysse. Primeira a morrer, ela acabou enterrada por “morte natural”.
  • 5 de setembro - Justiça autoriza e o Departamento de Polícia Técnica exuma os corpos de Gleysse e Ruteh.
  • 14 de setembro - O juiz Lucas de Andrade Cerqueira Monteiro autoriza busca e apreensão na residência do casal Elisângela e Valci, colegas da igreja das vítimas.
  • 15 de setembro - Parentes de Adriane e das filhas são ouvidos pela polícia, assim como o casal Elisângela e Valci. 
  • 20 de setembro - Sete pessoas são ouvidas pelo delegado Marcos Veloso, numa acareação.
  • 21 de setembro - Mandado de busca e apreensão é cumprido na residência do casal Elisângela e Valci. 
  • 28 de setembro - A decisão que autoriza o cumprimento do mandado de busca é publicada no Diário Oficial de Justiça.
  • 11 de outubro - Elisângela e Valci são presos suspeitos de usar inseticida para matar Adriane e as duas crianças.
  • 16 de outubro - Polícia divulga o resultado da acareação. Segundo os investigadores, Elisângela tinha interesse no marido da vítima e matou mãe e filhas na esperança de ficar com o viúvo. Valci teria ajudado a acobertar o crime e atrapalhava as investigações.
  • 19 de outubro - O marido e pai das vítimas, Jefersson Brandão, é ouvido novamente pelo delegado Marcos Veloso, junto com a irmã Josina e o cunhado Gilson, depois de Elisângela dizer que ele batia na esposa.
  • 7 de novembro - A prisão temporária de Elisângela é convertida em preventiva. Valci foi solto por falta de provas.
  • Fonte; Correio





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